Este boletim é produzido bimestralmente pela Felizardo e Ruzon Advogados Associados, com distribuição aos seus clientes e parceiros. Não deve ser considerado opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. É autorizada a sua reprodução desde que identificada a autoria.
A NOVA LEI DOS SEGUROS E A INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL – Por Bruno Ponich Ruzon

A nova Lei 15.040/2024, que dispõe sobre o seguro privado e passará a vigorar em dezembro de 2025, tem aplicação tanto para relações empresariais quando consumeristas. Logo, tem um espectro grande de incidência e condições para impactar a prática das seguradoras, desde que o Judiciário cumpra o seu papel.
Hoje quero tecer considerações sobre a interpretação dos contratos de seguro. Não é incomum que magistrados adotem interpretações favoráveis às seguradora, geralmente ao fundamento de “prática do mercado”.
Trata-se de algo no mínimo curioso, já que a Lei 8.078/90 já prevê que as cláusulas contratuais sejam interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47) e o Código Civil também prevê que em contratos de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias sejam interpretadas em favor do aderente (art. 423). Ainda, o Código Civil estabelece que na interpretação de negócio jurídico seja atribuída a interpretação mais benéfica à parte que não redigiu o instrumento (art. 113, § 1º, IV).
Mesmo diante deste cenário normativo, um tanto quanto explícito e claro, decisões contrárias aos segurados fazem parte do cotidiano de quem atua na área.
Soma-se então ao arcabouço normativo novas regras na tentativa de modificar em definitivo os julgamentos de nosso Poder Judiciário.
Além de repetir a regra da interpretação segundo a boa-fé (art. 56, Lei 15.040/2024), ela amplia o seu objeto para além do instrumento contratual. Nos termos do artigo 57, da Lei 15.040/2024: “Se da interpretação de quaisquer documentos elaborados pela seguradora, tais como peças publicitárias, impressos, instrumentos contratuais ou pré-contratuais, resultarem dúvidas, contradições, obscuridades ou equivocidades, elas serão resolvidas no sentido mais favorável ao segurado, ao beneficiário ou ao terceiro prejudicado”.
Outra regra importante advém do artigo 59: “As cláusulas referentes a exclusão de riscos e prejuízos ou que impliquem limitação ou perda de direitos e garantias são de interpretação restritiva quanto à sua incidência e abrangência, cabendo à seguradora a prova do seu suporte fático”.
Estes dois dispositivos (art. 57 e 59) são fundamentais, já que a prática abusiva mais comum no âmbito securitário é justamente a falta de correspondência entre a oferta e a apólice no que tange à cobertura de riscos. Quando o segurado, consumidor ou empresário, busca a indenização “descobre” que não tinha cobertura.
Este dever de interpretação mais favorável ao segurado não cabe apenas aos membros do Poder Judiciário, mas a todos de forma indiscriminada, inclusive às seguradoras. Espera-se que finalmente elas passem a realizar a sua função social, providenciando os pagamentos devidos aos beneficiários sem a necessidade de judicialização.
O STAY PERIOD NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL: CONTAGEM DO PRAZO E ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL – Por Christopher Romero Felizardo

A recuperação judicial é um instrumento essencial para a manutenção da atividade econômica de empresas em dificuldades financeiras, garantindo a possibilidade de reestruturação e preservação da função social da empresa. Dentro desse contexto, o stay period é um dos mecanismos mais relevantes, pois estabelece a suspensão das execuções por um período determinado, permitindo que a empresa possa negociar com seus credores sem a iminência de bloqueios e penhoras.
Previsto no Artigo 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência – LRF), o stay period estabelece a suspensão de todas as ações e execuções contra a recuperanda por 180 dias, visando garantir um ambiente de estabilidade para a elaboração e aprovação do plano de recuperação.
Esse período é crucial para que a empresa consiga reestruturar suas dívidas e reorganizar suas atividades, de modo que possa continuar operando e cumprindo seus compromissos com empregados, fornecedores e demais credores.
Uma das discussões mais relevantes sobre o stay period refere-se à forma de contagem do prazo: deve-se considerar dias úteis ou corridos?
Ao julgar o Recurso Especial n.º 1.698.283/GO, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Goiás, que determinou a contagem do stay period em dias úteis, fundamentando-se na aplicação do Artigo 219 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o qual estabelece que os prazos processuais devem ser contados apenas em dias úteis. O STJ, por sua vez, reformou essa decisão e fixou a tese de que o prazo do stay period deve ser contado em dias corridos. O fundamento principal para essa decisão baseia-se na natureza material desse prazo, uma vez que ele não regula a prática de atos processuais, mas sim um período de estabilidade conferido à recuperanda para negociação e organização financeira.
O acórdão destacou que a contagem do prazo em dias úteis comprometeria a lógica temporal da recuperação judicial, impactando a efetividade do processo e desorganizando a sequência de atos previstos na LRF, como a apresentação do plano de recuperação, as impugnações e a realização da assembleia geral de credores. Apesar da previsão legal do prazo de 180 dias, a jurisprudência do STJ tem admitido sua prorrogação em situações excepcionais, desde que devidamente justificada e quando a demora não for atribuível à recuperanda. A extensão do stay period pode ser necessária, por exemplo, quando a assembleia geral de credores ainda não tiver sido realizada.
O stay period é um instrumento essencial para o sucesso da recuperação judicial, garantindo que a empresa tenha um período de estabilidade para viabilizar sua reestruturação. O entendimento do STJ sobre a contagem do prazo em dias corridos se alinha à lógica da LRF e à necessidade de celeridade no procedimento recuperacional.
A decisão também reforça a importância da previsibilidade para credores e devedores, evitando interpretações que possam comprometer a unidade do sistema recuperacional e a efetividade do instituto.
Por fim, a possibilidade de prorrogação do stay period demonstra que o Judiciário tem flexibilizado sua aplicação em casos concretos, garantindo que a recuperação judicial cumpra sua finalidade de preservar empresas viáveis e manter a atividade econômica.
OSCILAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA: RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA E DIREITOS DO CONSUMIDOR – Por Matheus Capobianco Maciel

Oscilações de energia elétrica são eventos recorrentes que podem acarretar prejuízos significativos aos consumidores, especialmente pela queima de eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos essenciais. Tais falhas, muitas vezes, decorrem de problemas operacionais ou estruturais nas redes de distribuição. Diante dessa realidade, surge a questão: a concessionária de energia tem o dever de indenizar os consumidores prejudicados? Este artigo explora essa temática à luz da legislação vigente, destacando a importância da atuação jurídica especializada para a efetivação desses direitos.
A relação entre concessionária e consumidor caracteriza-se como uma relação de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em situações de falhas na prestação de serviços, a responsabilidade da concessionária é objetiva, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o dano e o serviço defeituoso. Em outras palavras, o consumidor não precisa comprovar culpa da empresa, mas apenas que o dano resultou de um problema relacionado à prestação do serviço.
A prática tem demonstrado que quedas de energia, picos de tensão e oscilações são causas comuns da queima de aparelhos eletrônicos. Para buscar o ressarcimento, o consumidor deve reunir provas, como laudos técnicos e orçamentos detalhados, a fim de comprovar o prejuízo. Esses documentos são essenciais para fundamentar pedidos administrativos ou judiciais.
Além do ressarcimento material, situações que comprometem o uso de itens essenciais podem configurar dano moral. A privação prolongada de equipamentos indispensáveis à rotina doméstica ultrapassa o mero aborrecimento, afetando diretamente o bem-estar do consumidor. Entretanto, a caracterização do dano moral requer a demonstração de prejuízo concreto à esfera extrapatrimonial do consumidor.
A recusa injustificada da concessionária em reparar danos causados por falhas na prestação de serviços configura violação aos direitos do consumidor. Diante desse cenário, é fundamental que o consumidor busque orientação jurídica adequada para assegurar o ressarcimento integral dos prejuízos. Um advogado especializado pode conduzir a melhor estratégia, seja pela via administrativa ou judicial. Dessa forma, reforça-se a relevância da advocacia na defesa dos direitos dos consumidores e no fortalecimento das relações jurídicas pautadas pela transparência e responsabilidade.
* OBS.: Imagens geradas pelo ChatGPT 4.0