Este boletim é produzido bimestralmente pela Felizardo e Ruzon Advogados Associados, com distribuição aos seus clientes e parceiros. Não deve ser considerado opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. É autorizada a sua reprodução desde que identificada a autoria.
PRODUTOR RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Por Bruno Ponich Ruzon
No sistema jurídico brasileiro apenas empresário e sociedade empresária podem valer-se da recuperação judicial (Lei 11.101/2005). Trata-se de um importante instituto, muito útil para aquele agente econômico em situação de crise econômico-financeira.
Em nossa região a atividade agropecuária é intensa e muitos têm a dúvida se seria possível, de alguma maneira, o produtor rural valer-se da recuperação judicial, já que, em regra, ele não é um empresário.
Como se sabe, a legislação brasileira (Código Civil, art. 971) autoriza que o produtor rural faça sua inscrição na Junta Comercial e então seja considerado empresário para todos os fins e efeitos. Muitos não optam por isso em virtude dos impactos tributários que tal opção acarreta.
De qualquer modo, o produtor rural pode estar inscrito na Junta Comercial e, por estar equiparado a empresário para todos os fins e efeitos, poderá valer-se da recuperação judicial.
É importante lembrar que existem pressupostos objetivos e subjetivos para fazer uso da Lei 11.101/2005. Um deles diz respeito à comprovação de atividade econômica regular por mais de 2 (dois) anos (art. 48, caput, da Lei 11.101/2005).
Veja, não é necessário que o produtor rural comprove uma inscrição na Junta Comercial por mais de 2 (dois) anos, mas que comprove a atividade econômica. Isto pode ser feito através da documentação contábil (art. 48, §§ 2º e 3º, do artigo 48, da Lei de Recuperação e Falência).
Inclusive, esta questão já foi resolvida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme o Tema Repetitivo 1145, com o seguinte teor: “Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro”.
Enfim, a recuperação judicial não é um instrumento inalcançável pelo produtor rural, sendo possível utilizá-lo desde que atendidos algumas exigências legais, sendo importante ao interessado procurar seu advogado de confiança para tal análise.
RESPONSABILIDADE DO HERDEIRO QUE OCUPA EXCLUSIVAMENTE O IMÓVEL COMUM DOS DEMAIS HERDEIROS – Por Christopher Romero Felizardo
No contexto das sucessões, a questão da posse exclusiva de imóveis por um dos herdeiros é um tema recorrente e de grande relevância prática.
Com a abertura da sucessão, todos os bens do falecido são transmitidos aos herdeiros, que passam a ser condôminos do patrimônio deixado.
Quando um ou mais herdeiros ocupam de forma exclusiva um imóvel que pertence ao espólio, surge a necessidade de discutir a responsabilidade destes ocupantes em relação aos demais herdeiros.
De acordo com o artigo 1.784 do Código Civil Brasileiro, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. O artigo 1.791, também do Código Civil, estabelece que a herança é indivisível até a partilha, regulando-se, nesse período, pelas normas relativas ao condomínio.
Essa indivisibilidade significa que todos os herdeiros têm direitos iguais sobre o patrimônio deixado pelo falecido, e nenhum deles pode usar, gozar ou dispor de qualquer parte dos bens comuns sem o consentimento dos demais. Quando um herdeiro ocupa exclusivamente um imóvel comum, ele impede que os outros herdeiros exerçam seus direitos sobre esse bem, configurando uma posse exclusiva.
A jurisprudência do STJ tem consolidado o entendimento de que o herdeiro que ocupa exclusivamente um imóvel comum deve indenizar os demais herdeiros pelo uso exclusivo. Este posicionamento visa proteger o direito de propriedade de todos os herdeiros, garantindo uma compensação justa para aqueles que são privados do uso e fruição do bem.
Uma decisão recente que ilustra essa jurisprudência é o AgInt no AREsp n. 1.849.903/RS, onde o STJ reafirmou a possibilidade de cobrança de aluguéis do herdeiro que ocupa exclusivamente o imóvel comum. A Corte destacou que tal medida é necessária para evitar o enriquecimento sem causa e assegurar que todos os herdeiros recebam uma compensação pelo uso do bem que lhes é devido.
A decisão tem implicações práticas significativas para a gestão de bens em inventário. Primeiramente, reforça a necessidade de os herdeiros que ocupam exclusivamente um imóvel comum formalizarem acordos de compensação com os demais herdeiros. Em segundo lugar, estabelece um precedente para a cobrança retroativa de aluguéis, desde que haja uma manifestação inequívoca dos demais herdeiros em oposição à ocupação exclusiva.
A responsabilidade do herdeiro que ocupa exclusivamente o imóvel comum dos demais herdeiros é clara e encontra amparo tanto na legislação quanto na jurisprudência brasileira. Tal ocupação gera o dever de indenizar os demais herdeiros pelo uso exclusivo, visando preservar a igualdade de direitos sobre o patrimônio herdado. A fixação de aluguéis proporcionais e a responsabilização pelo pagamento de tributos e tarifas são medidas essenciais para assegurar uma justa distribuição dos benefícios e encargos decorrentes da herança.
A compreensão e aplicação correta desses princípios são fundamentais para evitar litígios prolongados e promover uma gestão eficiente e equitativa dos bens do espólio, garantindo o respeito aos direitos de todos os herdeiros.
DO DEVER DE ABATIMENTO DO LANCE EMBUTIDO NOS CONSÓRCIOS – Por Matheus Capobianco Maciel
A busca por adquirir a casa própria ou um veículo utilizando o consórcio tem se tornado cada vez mais atrativa para o consumidor, especialmente em tempos de restrição ao crédito.
As administradoras de consórcio estão utilizando a modalidade do lance embutido para atrair mais clientes, uma vez que o consumidor não precisa ter recursos próprios para dar um lance, podendo utilizar o próprio crédito contratado para ser oferecido como lance.
Na prática, se o consumidor tem uma carta de crédito de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e oferece um lance embutido de 30% (trinta por cento), ele está comprometendo R$ 30.000,00 (trinta mil reais) do seu crédito. Dessa forma, se for contemplado, ele terá apenas R$ 70.000,00 (setenta mil reais) restantes para adquirir o bem desejado.
A modalidade de lance embutido está prevista no artigo 9º da Circular nº 3.432 do Banco Central do Brasil, que regula a constituição e funcionamento dos grupos de consórcios.
Como demonstrado no exemplo acima, na hipótese de utilização do lance embutido, o consumidor só irá receber a diferença entre o valor do crédito menos o lance embutido. A administradora do consórcio deve destinar o valor do lance embutido para o abatimento das prestações vincendas, reduzindo o saldo devedor do consumidor. A correção anual feita pela administradora de consórcios incidirá somente sobre o valor recebido pelo consumidor.
Ocorre que muitas administradoras têm enriquecido ilicitamente, não fazendo o abatimento do lance embutido no crédito do consumidor nem no saldo devedor, fazendo com que o consumidor pague o valor total da carta de crédito contratada sem ter utilizado o valor total do crédito.
Para se proteger contra práticas abusivas, o consumidor deve estar sempre atento aos termos do contrato de consórcio e às suas cláusulas específicas sobre lances embutidos.
É aconselhável guardar toda a documentação e correspondência trocada com a administradora do consórcio. Além disso, verificar periodicamente os extratos e saldos devedores pode ajudar a identificar inconsistências ou irregularidades.
Portanto, é fundamental que os consumidores que utilizaram o lance embutido fiquem atentos e verifiquem se não estão sendo vítimas de práticas abusivas por parte das administradoras de consórcio. Em caso de dúvidas ou suspeitas, é altamente recomendável procurar a orientação de um advogado especializado, que poderá avaliar a situação e tomar as medidas necessárias para proteger os direitos do consumidor.