Este boletim é produzido bimestralmente pela Felizardo e Ruzon Advogados Associados, com distribuição aos seus clientes e parceiros. Não deve ser considerado opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. É autorizada a sua reprodução desde que identificada a autoria.
VÍTIMAS DE SITES DE APOSTAS E JOGOS DE AZAR – por Bruno Ponich Ruzon
Recentemente o Poder Executivo Federal constatou a irregularidade da maioria das empresas que oferecem serviços de aposta on line (reguladas pelas Leis 13.756/2018 e 14.790/2023) e de outras oferecendo jogos de azar como se cassinos fossem, em situação totalmente ilícita no território nacional.
Inclusive no dia 17 de setembro de 2024 foi publicada a Portaria SPA/MF nº 1.475 (Diário Oficial da União nº 180), versando exatamente sobre isso, estabelecendo o bloqueio dos sites a partir do dia 1º de outubro.
Existem milhares de consumidores no Brasil que foram vítimas destas empresas ilícitas e irregulares, sendo oportuno registrar que conforme estudo do Banco Central do Brasil, a maior parte dos “apostadores” eram jovens e pessoas de baixa renda. Verificou-se, inclusive, que famílias beneficiadas com o Bolsa Família enviaram cerca de 3 bilhões de reais às referidas empresas.
O impacto desta ilícita atividade é nefasto e atinge não só as vítimas individualmente, mas a própria economia nacional, já que estes 3 bilhões de reais poderiam ter sido direcionados ao mercado produtivo.
Não se pode esquecer que neste tipo de conflito incide totalmente a legislação protetiva do consumidor, destacadamente o Código de Defesa do Consumidor, mas também outros princípios e regras que muito contribuem para as vítimas destas empresas de “Bets”. Enfim, diante deste cenário, abrem-se várias estratégias processuais possíveis, sendo importante que as vítimas procurem um advogado de sua confiança o quanto antes, já que a solvência destas empresas irregulares e dos demais fornecedores integrantes da cadeia de consumo é extremamente frágil.
PROTEÇÃO DO CPF – PERMISSÃO PARA PARTICIPAR DE CNPJ – Por Christopher Romero Felizardo
O Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) é um dos principais documentos de identificação no Brasil. Ele é essencial para diversas atividades financeiras e empresariais, como a abertura de contas bancárias, a obtenção de crédito e a participação em empresas. Quando se trata de permitir a participação em um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), ou seja, de se tornar sócio ou administrador de uma empresa, o CPF assume um papel crucial.
Ao participar de um CNPJ, seja como sócio ou administrador, o CPF da pessoa física fica vinculado diretamente ao CNPJ, o que implica responsabilidades civis, administrativas e fiscais. Isso significa que, além dos benefícios de participar de uma empresa, o indivíduo também se torna responsável pelas obrigações e possíveis passivos da pessoa jurídica.
Caso o CPF seja utilizado indevidamente em um CNPJ, o titular pode enfrentar diversas consequências, tais como: (i) Responsabilidade por Dívidas da Empresa: Se a empresa acumular dívidas fiscais ou trabalhistas, os sócios podem ser responsabilizados solidariamente, ou seja, podem ser obrigados a responder pelas obrigações financeiras da pessoa jurídica com seu patrimônio pessoal. (ii) Restrições de Crédito: O CPF vinculado a um CNPJ inadimplente pode ter dificuldades para obter crédito, como empréstimos ou financiamentos. Bancos e instituições financeiras podem impor restrições em razão da má reputação financeira da empresa. (iii) Implicações Jurídicas e Criminais: Em casos extremos, como quando o CNPJ está envolvido em atividades criminosas, os sócios ou administradores podem responder judicialmente, sendo acusados de conivência com práticas ilícitas, mesmo que não tivessem conhecimento delas.
Com intuito de ampliar a segurança digital e proteger os dados dos cidadãos, a Receita Federal lançou e disponibilizou a ferramenta “Proteção do CPF – Permissão para Participar de CNPJ”, com abrangência em todo território nacional e de forma gratuita, alcançando todos os órgãos registradores, Juntas Comerciais, Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas e OAB, capaz de alcançar todos os tipos jurídicos, inclusive o Microempreendedor Individual (MEI) e Inova Simples.
A ferramenta permite que o cidadão possa se proteger contra a inclusão indesejada em empresas e demais sociedades, impedindo que seu CPF seja indevidamente incluído no quadro societário de alguma empresa.
Para tanto, o cidadão deve acessar com sua conta gov.br o Portal Nacional da Redesim (https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/redesim) e o Canal de Serviços Digitais da Receita Federal (https://servicos.receitafederal.gov.br), e selecionar a opção “Proteger meu CPF”.
Após a realização do cadastro, caso o cidadão queira realmente participar de algum CNPJ, o mesmo pode reverter o impedimento, bastando acessar a mesma função e alterar a situação cadastral.
Segundo dados divulgados pela Receita Federal, só no ano de 2024 foram identificadas uma média diária de abertura de 15 empresas criadas irregularmente, motivo pelo qual, a utilização desta ferramenta é de extrema importância para combater e debelar a ação de criminosos e golpistas, principalmente aqueles que tiveram documentos pessoais furtados e/ou perdidos, quanto daqueles que costumeiramente utilizam a internet para realização de transações. Portanto, diante do crescente aumento de tentativas de fraudes e ameaças no ambiente virtual da internet, a utilização dessa ferramenta protetiva pelo cidadão tornou-se indispensável para evitar gravosos desdobramentos, aumentando a segurança do titular do CPF e tornando-se extremamente útil para prevenir fraudes e garantir que o CPF do usuário seja utilizado de forma legítima e consciente em processos de abertura ou participação societária em empresas.
A LUTA DOS TRABALHADORES DE APLICATIVOS: HIPERVULNERABILIDADE E O PAPEL DO JUDICIÁRIO – por Matheus Capobianco Maciel
Atualmente, cerca de 1.660.023 pessoas trabalham como motoristas ou entregadores em plataformas de aplicativos no Brasil. Esses dados foram divulgados pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em conjunto com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec).
A maioria desses profissionais está concentrada nas empresas iFood, Uber, 99 e Zé Delivery. Até o momento, não há regulamentação específica para essa categoria, que trabalha de forma informal, geralmente registrada como Microempreendedor Individual (MEI).
A falta de regulamentação para esses profissionais cria uma situação de hipervulnerabilidade em relação às plataformas onde prestam seus serviços, deixando-os reféns das diretrizes e normas impostas por essas empresas.
Contudo, o Judiciário brasileiro já tem atuado para coibir práticas unilaterais e abusivas dessas empresas, especialmente no que diz respeito à exclusão indevida de motoristas dos aplicativos.
Na prática, mesmo sendo uma relação contratual entre particulares, a Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, adotada no Brasil pelo Superior Tribunal de Justiça, garante o direito ao contraditório e à ampla defesa nessas situações (STJ – Resp 1365279/SP – Min: Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgamento: 25/08/2015 – Publicação: DJe 29/09/2015).
Além do mais, embora seja assegurado a essas empresas a liberdade contratual (art. 421, CC) e a autonomia da vontade (art. 5º, II, CF), a rescisão unilateral indevida e abusiva demonstra uma inobservância do princípio da boa-fé objetiva (art. 422, CC).
Dependendo da abusividade cometida pela empresa, o trabalhador tem direito não apenas ao fim da prática ilegal, como à reativação da conta em casos de exclusão indevida, mas também a uma indenização por danos materiais e morais.
Em decisão recente a 9ª Vara Cível da Comarca de Londrina (PR), nos autos nº 0032341-79.2024.8.16.0014, a UBER foi condenada a reativação da conta de um motorista que foi excluído indevidamente, bem como a indenizar os danos materiais e morais em decorrência das práticas abusivas e discriminatórias sofridas pelo motorista.
Aos profissionais que atuam como motoristas ou entregadores cabe o dever de monitorar as práticas impostas por essas empresas, a fim de coibir, através do Judiciário, por meio de um advogado de sua confiança, eventuais abusos de direitos cometidos pelas plataformas.
* OBS.: Imagens geradas pelo ChatGPT 4.0