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BOLETIM INFORMATIVO Nº 35 – OUTUBRO, NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 2024

By 18 de dezembro de 2024Publicações

Este boletim é produzido bimestralmente pela Felizardo e Ruzon Advogados Associados, com distribuição aos seus clientes e parceiros. Não deve ser considerado opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. É autorizada a sua reprodução desde que identificada a autoria.

A NOVA LEI DOS SEGUROS E O ACESSO À JUSTIÇAPor Bruno Ponich Ruzon

Em nossa sociedade de risco o seguro deveria ser uma boa opção para lidar com as áleas da vida. No entanto, a relação entre seguradoras e segurados é uma das mais belicosas, muito em virtude de práticas abusivas das seguradoras que se perpetuam até hoje.

As contratações, na maioria das vezes, já nascem viciadas por um grave déficit informacional e, na sequência, quando há o sinistro, a regulação dá-se de forma oculta e a recusa da indenização é muito frequente.

Neste cenário, deveras hostil, foi publicada em 10 de dezembro de 2024, a Lei 15.040/2024, que  “Dispõe sobre normas de seguro privado; e revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966”. Trata-se da nova Lei dos Seguros, que entrará em vigor no prazo de 1 ano (art. 134, Lei 15.040/2004).

A referida lei traz várias modificações interessantes e não é o objetivo deste texto abordar todas elas.

Aqui se quer jogar luz apenas ao artigo 129, que dispõe: “Nos contratos de seguro sujeitos a esta Lei, poderá ser pactuada, mediante instrumento assinado pelas partes, a resolução de litígios por meios alternativos, que será feita no Brasil e submetida às regras do direito brasileiro, inclusive na modalidade de arbitragem”.

Já há muito tempo as empresas tentam enfraquecer a posição dos consumidores, impondo a solução de conflitos pela arbitragem.

Mas a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, que é lei especial no que tange às relações de consumo e proteção do consumidor, e não pode ser afastada por outra lei especial, prevê expressamente que um dos direitos básicos do consumidor é o “acesso aos órgãos judiciários” (art. 6º, VII, Lei 8.078/90).

Deve-se lembrar que em 2023, no julgamento do EREsp 1636889 / MG, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que “É nula a cláusula de contrato de consumo que determina a utilização compulsória da arbitragem”.

Assim, conclui-se que se deve dar uma interpretação restritiva ao artigo 129, da Lei 15.040/2024, impedindo-se sua aplicação nos contratos de consumo, de modo a preservar o direito do consumidor de provocar o Poder Judiciário quando bem entender. 

TEMA Nº. 1.214 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – IMPOSSIBLIDADE DE INCIDÊNCIA DO ITCMD SOBRE PGBL E VGBLPor Christopher Romero Felizardo

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou, no âmbito do Tema nº 1.214, a (in)constitucionalidade da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre os planos Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular. O julgamento foi conduzido pelo Ministro Dias Toffoli, que apresentou argumentos detalhados sobre a natureza jurídica de ambos os planos e seus reflexos tributários.

A controvérsia girou em torno de dispositivos da Lei Fluminense nº 7.174/2015 que previam a incidência do ITCMD sobre os valores de PGBL e VGBL no caso de falecimento do titular. Foi então discutida a constitucionalidade dessa norma à luz dos princípios do direito sucessório e da legislação federal aplicável.

O Ministro Toffoli destacou que o VGBL é regulamentado como seguro de pessoa pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e pelas resoluções do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). Sua principal característica é oferecer cobertura por sobrevivência ao titular, mas, em caso de falecimento, opera como um seguro de vida com estipulação em favor de terceiros.

Segundo Toffoli, a relação contratual entre o titular e o beneficiário não implica transmissão de patrimônio. Pelo contrário, o direito do beneficiário surge de forma independente, decorrente do contrato de seguro. Essa característica foi fundamentada no Artigo 794 do Código Civil, que estabelece que o capital estipulado em seguros de vida não se integra à herança, nem está sujeito a dívidas do segurado.

Apesar de sua classificação como plano de previdência complementar, o Ministro reconheceu que o PGBL compartilha características securitárias com o VGBL. Ele explicou que, no caso de morte do titular, os valores repassados aos beneficiários também derivam de um contrato e não de sucessão hereditária.

Toffoli enfatizou que tanto o PGBL quanto o VGBL envolvem elementos atuariais e riscos biométricos, como tábuas de mortalidade e taxas de juros. Esses aspectos reforçam a distinção desses planos em relação a instrumentos puramente financeiros ou sucessórios. Outro ponto central do voto foi a ausência de uma lei complementar federal regulamentando o ITCMD nos casos de bens com elementos de conexão internacional ou de valores oriundos de contratos como os do PGBL e VGBL. Toffoli argumentou que, na ausência dessa regulamentação, os estados não podem legislar sobre a incidência do tributo em situações que escapem ao conceito tradicional de transmissão causa mortis.

O Ministro mencionou precedentes relevantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já haviam reconhecido a natureza securitária do VGBL e excluído sua base de cálculo do ITCMD. Decisões em Tribunais de Justiça estaduais também foram citadas para corroborar a impossibilidade de tributação nesses casos.

Além disso, ele alertou para os riscos de equiparar os planos de previdência a instrumentos de planejamento sucessório com fins elisivos, destacando que eventual fraude deve ser comprovada pela administração tributária caso a caso.

O voto de Toffoli concluiu pela impossibilidade de incidência do ITCMD sobre os valores de VGBL e PGBL na hipótese de morte do titular, consolidando a tese de que tais valores não se enquadram no conceito de herança ou transmissão causa mortis.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 1.363.013, com repercussão geral, de maneira unânime, então firmou a tese para o Tema nº. 1.214, fixando que:

“É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”

Essa decisão reforça a segurança jurídica para beneficiários de planos de previdência complementar e seguro de vida, ao mesmo tempo em que delimita os limites da atuação dos estados na regulamentação tributária.

DIREITO DO CONSUMIDOR NO TRANSPORTE AÉREO – RESPONSABILIDADE DA CIA PELA REALIZAÇÃO DO CHECK-INPor Matheus Capobianco Maciel

O transporte aéreo, essencial em um mundo globalizado, também é palco de inúmeras controvérsias nas relações entre consumidores e companhias aéreas. Dentre os problemas recorrentes, destaca-se a falha na realização do check-in, que pode gerar transtornos e custos inesperados ao consumidor.

Conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a relação entre passageiros e companhias aéreas é regida pela responsabilidade objetiva, o que significa que o fornecedor do serviço responde pelos danos causados, independentemente da existência de culpa (art. 14, CDC). Além disso, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), por meio da Resolução nº 400/2016, reforça que é responsabilidade da empresa aérea garantir o check-in adequado ao passageiro que cumpre as exigências do embarque.

Um dos dispositivos mais relevantes para esses casos está no artigo 35 do CDC, que oferece ao consumidor a possibilidade de exigir o cumprimento forçado da oferta ou optar pela rescisão do contrato com restituição do valor pago e perdas e danos. Em situações em que a empresa aérea não cumpre sua parte, como a emissão do bilhete ou assistência material, as consequências vão além do descumprimento contratual, configurando danos morais passíveis de reparação judicial.

Os tribunais brasileiros têm reiterado o dever das companhias aéreas de prestar assistência integral ao consumidor em casos de falhas nos serviços. A jurisprudência destaca que situações como impossibilidade de embarque devido a problemas de check-in ultrapassam os meros aborrecimentos do dia a dia, sendo consideradas violações graves à dignidade do consumidor. Em um julgamento paradigmático, o Tribunal de Justiça do Paraná decidiu que a falha no check-in gera abalo psíquico indenizável, especialmente quando há necessidade de arcar com novos custos para prosseguir a viagem (TJ-PR, APL 0011348-04.2017.8.16.0194).

Assim, é essencial que o consumidor conheça seus direitos e, diante de falhas no transporte aéreo, busque as medidas cabíveis. A atuação responsável das companhias aéreas não é apenas uma obrigação legal, mas um compromisso com a confiança e a segurança de seus clientes, pilares essenciais para o desenvolvimento de um mercado equilibrado e justo.

* OBS.: Imagens geradas pelo ChatGPT 4.0