Este boletim é produzido bimestralmente pela Felizardo e Ruzon Advogados Associados, com distribuição aos seus clientes e parceiros. Não deve ser considerado opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. É autorizada a sua reprodução desde que identificada a autoria.
DIREITO À PRESTAÇÃO DE CONTAS E AO SALDO APURADO NAS AÇÕES DE BUSCA E APREENSÃO – Por Bruno Ponich Ruzon

Nas aquisições de veículo automotor mediante financiamento as instituições financeiras optam pela alienação fiduciária, uma garantia forte de nosso sistema, que permite a ação de busca e apreensão no caso de inadimplemento de parcela, nos termos do Decreto-Lei 911/1969.
Aliás, com a vigência da Lei 14.711/2023, hoje é possível até mesmo a busca e apreensão extrajudicial, mas este é um assunto para outro boletim.
Ocorre que muitas vezes o consumidor não consegue honrar as parcelas e mesmo após notificado extrajudicialmente não dá conta de purgar a mora. Então vem a ação de busca e apreensão.
Na fase judicial a legislação brasileira exige o pagamento da integralidade da dívida, inclusive das parcelas vincendas, o que torna muito difícil a manutenção da relação contratual. Afinal, se o consumidor não tinha condições de honrar uma parcela, como conseguiria fundos para pagar a dívida toda? Neste ponto a legislação brasileira é bem severa e fortalece demasiadamente a posição das instituições financeiras.
De qualquer forma, neste cenário de terra arrasada, o consumidor vê-se desestimulado a procurar auxílio técnico. Mas isto é um erro, pois a atuação de um advogado pode ser muito importante.
Existem várias teses jurídicas alegáveis para minimizar a perda do consumidor neste tipo de situação, e aqui chamo a atenção ao direito à prestação de contas e ao saldo apurado no leilão do bem.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça: “No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas” (STJ, REsp n. 1.866.230/SP julgado em 22/9/2020)
Ou seja, após a venda do bem, uma vez quitada a dívida principal e os encargos, o consumidor tem o direito de ver restituído o saldo apurado, o que não tem sido respeitado pelos bancos. Enfim, não é fácil litigar contra instituições financeiras, pois elas têm uma vantagem estrutural gigantesca, mas existem caminhos e alternativas para a defesa do consumidor mesmo neste ambiente bastante hostil.
SEGURO DE VIDA RESGATÁVEL E A PENHORABILIDADE – Por Christopher Romero Felizardo

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 2.176.434/DF, enfrentou relevante controvérsia acerca da impenhorabilidade de valores provenientes de seguro de vida resgatável.
Tradicionalmente, a jurisprudência reconhece que o seguro de vida é impenhorável, justamente para preservar a natureza alimentar da indenização securitária destinada ao beneficiário em caso de sinistro (morte ou invalidez). O objetivo é assegurar a dignidade da pessoa humana e proteger a família do segurado em situações de perda.
No entanto, o seguro de vida resgatável difere do modelo clássico: trata-se de modalidade que permite ao próprio segurado resgatar, em vida, os valores acumulados ao longo do contrato. Nessa hipótese, parte do prêmio pago é investido, gerando um capital que pode ser retirado após o período de carência, mesmo sem ocorrência de sinistro.
O STJ destacou que, uma vez realizado o resgate pelo próprio segurado, o valor assume feição de investimento financeiro, perdendo a proteção conferida pelo art. 833, VI, do CPC. Assim, não se pode alegar impenhorabilidade para afastar constrições judiciais.
O Tribunal ainda ressaltou que o devedor poderá invocar, em situações específicas, a proteção prevista no art. 833, X, do CPC, relativa a valores depositados em poupança até o limite de 40 salários-mínimos, desde que comprovada a destinação para garantir o mínimo existencial.
Com isso, o STJ reformou acórdão do TJDFT e restabeleceu a penhora determinada em primeiro grau, consolidando o entendimento de que a impenhorabilidade do seguro de vida não alcança valores resgatados pelo segurado em vida.
Com esse entendimento, para os credores, o julgado abre espaço para a constrição de valores oriundos de seguros de vida resgatáveis, ampliando o leque de ativos disponíveis em execuções. Esse precedente contribui para delimitar os contornos da impenhorabilidade e reforça a visão do STJ de que a proteção legal deve ser interpretada de forma teleológica, preservando o equilíbrio entre a dignidade do devedor e o direito de satisfação do credor.
CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA FUNERÁRIA E O DIREITO DE RESCISÃO A QUALQUER TEMPO – Por Matheus Capobianco Maciel

Nas contratações de planos assistenciais funerários, ainda é comum aparecer cláusula de fidelidade e renovação automática depois que o consumidor usa a rede credenciada. À primeira vista, parece “padrão do mercado”. Não é. A Lei 13.261/2016 determina, com todas as letras, que o contrato deve conter direito de rescisão a qualquer tempo pelo contratante, inclusive após a utilização dos serviços (art. 8º, V).
O ponto central desses litígios surge justamente quando o consumidor tenta cancelar o contrato e se depara com a negativa da empresa, que invoca cláusula de renovação automática para manter a cobrança por mais meses ou anos. Aqui está a armadilha: nem tudo que está escrito no contrato é válido. Se a previsão contratual contraria a lei ou impõe desvantagem exagerada ao consumidor, ela é considerada abusiva e, portanto, nula de pleno direito (art. 51, CDC). No caso dos planos funerários, a jurisprudência já tem reconhecido que essa fidelização sucessiva é incompatível com a boa-fé e restringe indevidamente o direito de rescisão.
Havendo cobrança indevida após o pedido de cancelamento, incide a repetição em dobro (art. 42, parágrafo único), com correção e juros. A negativa injustificada de atendimento e a manutenção das cobranças ultrapassam o mero aborrecimento, podendo gerar dano moral.
A jurisprudência recente também confirma esse entendimento. Em agosto de 2025, a 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Paraná analisou situação envolvendo cláusula de fidelização automática em plano funerário. O colegiado reconheceu a nulidade da cláusula, o direito de rescisão sem ônus, a necessidade de restituição em dobro das cobranças posteriores ao pedido de cancelamento e a indenização por danos morais diante da negativa indevida de atendimento. No voto, destacou-se que a fidelização sucessiva é incompatível com a boa-fé e o equilíbrio contratual, além de contrariar o disposto no art. 8º, V, da Lei 13.261/2016 e no art. 51 do CDC.
Na prática, o caminho é objetivo: tutela de urgência para suspender imediatamente as cobranças e impedir negativação/protesto; nulidade da fidelização/renovação automática; rescisão sem multa; devolução em dobro das parcelas pagas após o pedido de cancelamento; e indenização pelos reflexos extrapatrimoniais. Tudo isso com inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC), já que a empresa detém as informações.
Moral da história: cláusula que amarra o cliente por anos a fio, renovando-se a cada utilização, não se sustenta. Se, além disso, houve negativa de atendimento e cobrança continuada depois do pedido de cancelamento, há lastro jurisprudencial recente para tutela imediata, rescisão, repetição em dobro e dano moral.
*Obs.: Imagens geradas pelo ChatGPT 5.0
